Filme infantil? Afinal é um desenho animado! Mas a animação Wall-e não pede ser considerado um filme com o foco somente no público infantil, afinal tem uma história muito bem montada, politizada e cheia de mensagens (explícitas ou implícitas). Em primeiro plano traça a trajetória de um robozinho que viveu muito tempo sozinho na Terra, na companhia somente de uma baratinha, e vê a sua vida mudar com a chegada de uma robô de última geração, paixão a primeira vista, Wall-e a acompanha até o espaço e com muito jeito a convence apostar em uma paixão tecnológica, claro com um belo happy end, afinal não deixa de ser um filme da Disney. Mas a história desenrolada em segundo plano é talvez a mais importante, o planeta Terra está tomado de lixo, por todos os lados, inclusive no espaço e na Lua, e um único robozinho tenta sozinho há setecentos anos limpar toda a bagunça; enquanto que na nave Axion, tudo segue “sem alteração”, com todos andando na linha, literalmente.
A cena de abertura é o espaço sideral, vemos estrelas, galáxias, planetas, até que avistamos a Terra, mais opaca, se aproximando, podemos ver o lixo acumulado em torno do planeta, são milhares de satélites. A imagem se aproxima mais e vemos o perfil de uma cidade, uma grande metrópole com seus arranha-céus; um pouco mais próximo percebemos que a maioria desses prédios são na realidade gigantescas pilhas de lixo compactado. A música, típica de um musical da década de 60, que acompanha o filme desde o início se torna menos nítida e podemos perceber que talvez aquele pequeno robozinho a esteja tocando.
Nessa primeira fase do filme, o que nos chama atenção é a cor pastel, o cenário todo é colorido com tons opacos de laranja, marrom e bege, o que claramente evidencia que toda vida terrestre foi afetada. A única movimentação é a do pequeno Wall-e e a de sua baratinha, o dia termina e, como qualquer trabalhador humano, ele pega a sua lancheira e ruma para casa, somente no caminho é que nós, espectadores, tomamos conhecimento do que aconteceu com o planeta e onde estão os humanos. É importante notar que esta comunicação que parece nas ruas conforme o robô passa é protagonizada por humanos não por animações, o que reforça a ideia da culpa humana pela o estado estéril em que a Terra se encontra.
No segundo dia dessa história, já sabemos como o protagonista sobreviveu tanto tempo, ele utiliza peças de outros robôs para se consertar e se alimenta de energia solar; sabemos também que ele coleciona peças interessantes e que gosta de musicais; ou seja o nosso robozinho tem atitudes e sentimentos humanos, ele transgride o que lhe foi imposto pela BNL, a grande corporação que ao que parece dominava o mundo.
Wall-e é um Waste Alloction Load Lifters – Eart-Class (algo como Localizador e Coletor de Lixo Classe Terrestre) criado em série pela grande corporação BNL para limpar o planeta enquanto a população geral saía em um grande cruzeiro espacial com duração de cinco anos. Mas a BNL não produzia apenas robôs, os supermercados, os bancos, tudo levada a marca da empresa até o dinheiro (nesse ponto deve-se dar atenção especial às cores da corporação, azul e vermelha, cores da bandeira dos Estados Unidos, também os donos do mundo). Apesar de governar o mundo, a empresa teve que abortar a operação limpeza e abandonar o planeta, ms Wall-e mantém a sua diretriz e vai sozinho coletando e compactando todo o lixo que encontra, exceção feita aos objetos que ele ache interessante, como uma calota (para ele um chapéu), uma caixa de anel (não o anel com seu brilhante), um batedor de ovos; o que demonstra que valor é algo muito subjetivo.
O mundo de Wall-e é abalado quando chega ao planeta uma robô, Eva é branquinha, com um design inovador. As formas arredondadas e a sua limpeza que chega a brilhar contrastam com as linhas retas e a sujeira de Wall-e, fato importante pois ele chegou para abalar o mundo conhecido dele.
Eva também é transgressora, assim que se vê sozinha sai dançando pelos ares, o que faz o nosso robozinho se apaixonar por ela, lembre-se que ele adora os musicais americanos da década de 60 (aqueles que falavam de amor e felicidade). Entretanto ela é nervosa, se se sente ameaçada atira e destrói o que estiver na sua frente.
Apesar do medo, Wall-e a persegue enquanto ela procura algo. Com muito custo, Eva vai conhecer a sua casa, durante uma tempestade de areia, Wall-e a guia em segurança (ele seria os olhos para ela). Em casa, conhece os objetos colecionados, acha alguns bem interessantes e gosta especialmente dos musicais. Há uma cena nessa parte que merece atenção, quando Eva descobre o fogo no isqueiro, os olhos dela e de Wall-e refletem a chama que representa o amor, nesse momento eles estão apaixonados.
Logo após, Wall-e mostra a Eva uma plantinha, que nasceu dentro de uma bota, era o que ela estava procurando, nesse momento ela entra em estado de hibernação. O robô tenta de várias maneiras trazê-la para a vida, mas não consegue, quanto às cores é interessante notar que ele a amarra em luzes coloridas para a levar de um lado a outro. Num mundo extremamente opaco, Eva seria a luz e a cor para o pequeno robô. Quando ele está quase desistindo, chega a nave mãe para buscar Eva, Wall-e vai atrás dela se pendura e chega até a nave Axion. Lá, logo na chegada, já percebemos como as coisas funcionam, o robô da limpeza deve andar seguindo uma linha no chão, se a linha não se acende ele não se movimenta. A limpeza de qualquer elemento estranho é priorizada, não é permitido que algo interrompa o processo em que a Axion está.
São milhares de robôs de todo o tipo, fazendo todo e qualquer tipo de coisa, todos andando na linha traçada no chão, lembrando um trânsito de uma grande cidade. Os humanos ficam o tempo todos sentados, nas cadeiras que antes eram destinadas às vovós com problemas de locomoção, e se comunicando por tele telas e através delas também recebem orientações como da moda ou se é manhã, tarde ou noite.
Wall-e chega e bagunça esse mundo estável da Axion, no primeiro momento sai esparramando terra pela nave, o que leva o robô da limpeza a transgredir a programação e sair da linha acessa no chão, posteriormente ele entra na via expressa dos robôs e causa um engarrafamento robótico, quando entra na via expressa dos humanos, ajuda a um homem a levantar e esse comportamento despadronizado causa estranhamento no humano que passa a enxergar de modo diferente o seu mundo, algo semelhante acontece com uma mulher que de repente vê uma piscina na nave onde morou a vida inteira. As cores é um elemento importante novamente, a nave é toda colorida e cheia de luzes, me lembrou Las Vegas, algo meio hipnotizador; apesar de colorido, novamente as cores vermelho e azul sobressaem.
Quando a plantinha chega, ou deveria ter chegado, ao comandante, conhecemos a máquina que deveria auxiliar o homem nesse cruzeiro, planejado para cinco mas já dura setecentos anos. Numa clara referência ao Grande Irmão do livro 1984, de George Orwell, e ao vilão HAL 9000, do filme clássico, 2001-Uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick; a máquina também se revolta e toma o controle da nave, a princípio sutilmente, depois de maneira mais agressiva. Uma clara evidência disso é o fato que, assim como no livro, a população só tem acesso a informações filtradas, história da população não é levada em conta; o comandante não conhecia nem um pouquinho a história e a estrutura terrestre, terra de seus antepassados; o conhecimento é o que motiva o comandante a se revoltar.
Na busca pela plantinha, dentro e fora da nave, Eva e Wall-e vão conquistando e modificando toda a previsibilidade da nave, conseguem mais amigos, na maioria robôs que se unem numa verdadeira revolução robótica.
Quando tudo parece perdido, o comandante, uma personagem esférica, elabora um estratagema, coisa que ele não parecia capaz, consegue enganar a máquina, sobe para a sua cabine. Clímax da história, a cena dele brigando com o timão é impressionante, ao som da trilha sonora do filme de Kubrick, o comandante se ergue, passa a ser bípede de novo (olha a evolução humana). Como numa verdadeira Odisseia, o homem domina a máquina assume novamente o controle sobre a sua vida.
Durante a briga entre homem X máquina, a humanidade ali presente, homens, mulheres, criança, todos são obrigados a evoluir também, já que durante uma manobra todos vão ao chão e são obrigados, assim como o comandante, a levantar e assumir novamente a sua posição de bípede.
A nave Axion aterrisa na Terra, cambaleante a tripulação desce e logo no início já ensinam as crianças a plantar, mostrando que a educação e o conhecimento de nossa história permitiriam a mudança do que existia ali. O tempo passa, o filme já acabou mas a história segue em um série de pinturas, a princípio rupestres, passando pela egípcia e pela grega chegando até as chinesa, depois temos algo como o impressionismo, expressionismo e grafismos. Todos eles mostram a evolução humana depois da chegada à Terra.
Wall-e, além de ser uma animação muito bem feita, tem dois enredos que devem ser contados e ensinados. Nós, como professores, podemos utilizar essa mídia e mostrar aos alunos além da estrutura narrativa presente e muito bem estruturada, as histórias com os seus elementos implícitos e explícitos, para formar cidadãos críticos que saibam ler e analisar todo tipo de mídia e informação a que têm acesso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário